Sofrimento

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Às vezes nos acostumamos tanto com o que nos causa sofrimento e acreditamos que, ao nos livrarmos dele, deixaremos de ser nós mesmos, ou seja, algumas coisas ou muitas vão nos causando sofrimento: uma palavra inadequada, uma frase perturbadora, uma situação violenta… esse repertório vai, aos poucos, fazendo parte de nossa vida e nos machucando, mas como o machucar é lento nem sempre percebemos, isso vai sendo incorporado à nossa psique de tal forma que passamos a acreditar ser algo natural ou já faz parte de nosso ser. Isso pode ser traduzido em frases como: “é assim mesmo”, “isso acontece”, “não tem nada que se possa fazer”. Lembra um pouco a história do sapo que ao ser colocado numa panela com água “esquentando” ele vai se “acostumando”. A água vai aquecendo e chega a um ponto em que o animal não consegue mais sair pelo fato de não ter percebido a temperatura aumentar. Como se o aquecimento fosse sendo incorporado como algo “bom”.

Voltando ao sofrimento do homem e não ao do sapo, ele, no entanto, não desaparece, continua ali. Quando existe a possibilidade de uma melhora ou até a eliminação dessa dor, vem a dúvida: “[…] e se eu me livrar disso e deixar de ser eu?” ou “quem seria eu sem esse sofrimento?” Nesse momento, o medo de deixar de ser quem é ou quem se acredita ser, é mais forte do que o sofrimento. Tal situação vai gerar muito mais sofrimento, porque não fica claro para a mente o que realmente pode fazer. Nossa mente prefere coisas simples, respostas diretas… ela gosta mesmo da repetição, isso não quer dizer que “tá tudo bem”…

O nosso sofrimento pode também trazer algumas “vantagens”. Enquanto estou sofrendo, obtenho atenção de algumas pessoas, tenho carinho de outras, a compreensão de mais algumas… parece um pouco estranho, e é. Tem aquela história da criança que não melhora sua condição de saúde, porque enquanto estiver doente terá a atenção dos pais e até evita que eles briguem por ela estar doente.

Outro exemplo, o jovem que não é aprovado numa seleção de emprego, pois isso vai significar ter responsabilidades e até sair do conforto da casa dos pais. Também o sofrimento na relação abusiva e o seu término vem um linchamento “às avessas”: “você poderia ter tentado um pouco mais”, “você não vai encontrar quem te ame tanto”, “tal pessoa passou por isso e manteve um casamento por 50 anos”… tantas outras coisas… Outro aspecto do sofrimento também “interessante” é daquele que nos garante um lugar no mundo, desde os profissionais de saúde que existem também por conta do sofrimento alheio até as pessoas que ao cuidar do sofrimento de um parente, por exemplo, não entra em contato com suas dores…

Na esfera de algumas religiões, fica evidente a exaltação do mal (sofrimento) para a justificativa do bem (sem sofrimento). O nosso sofrimento e a nossa dor fazem parte de nós mesmos em alguns momentos e é até importante que eles existam, mas o contrário disso também. Não deixamos de ser nós mesmos ao nos livrarmos de algo que não nos fez ou nos faz bem, passamos a ser pessoas com menos sofrimentos, com mais leveza… isso, também, é ser nós mesmos.

Mário José Santana Vieira
Pedagogo – Psicólogo: CRP03/18273
Curso Livre Psicologia Junguiana
Escritor do Livro: “Que tal um dedinho de prosa? Reflexões e Vivências em Educação e Psicologia”