Vale Tudo para resgatar um momento, mas de nada adianta…

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Muitas vezes, as redes sociais se movimentam num ritmo frenético em torno de algum acontecimento, desde o mais banal, para algumas pessoas, até o mais significativo para outras. Dessa vez, ou o motivo desse texto, o alvoroço é em torno da nova versão de uma novela que dominou todas as rodas de conversas no ano de 1988.

A novela ou telenovela gerou discussões em torno do lema “vale a pena ser honesto no Brasil” ou “vale tudo” para atingir seus objetivos na vida? A discussão aqui é outra, não que essa não seja importante ou necessária, mas o que realmente causa essa onda de debates? Claro que a emissora que está promovendo o novo produto televisivo criou sua “força tarefa” para despertar o interesse do público, diante de cardápio variado de opções para a degustação no lugar e horário desejados pelas pessoas que desejam consumir seu produto ou que precisam consumir para gerar lucros. Pois bem, mas o meu interesse nesse tema, além da novela que eu vi quando passou pela primeira vez e verei agora a nova roupagem, é o que pode repercutir na nossa mente para gerar tanto debate.

Nossa mente tem uma tendência à repetição, repetir é sempre mais fácil, difícil é a promoção da mudança. Mudar dói, dói porque sangra. Vale ressaltar que essa dor, a da mudança, pode ser ainda menor do que a de continuar no sofrimento, mas isso é outro assunto. Retornando ao assunto, mesmo sem ter saído dele, quando vivemos uma experiência boa, a ruim acontece de maneira mais ou menos parecida, queremos repetir ou queremos continuar sentindo tudo o que aconteceu de bom, é a definição de prazer, a necessidade de continuação porque é bom, pois me faz bem.

Vamos a alguns exemplos: quando passamos a infância em um local e em seguida nos mudamos para outro, mantemos em nossas mentes aquele momento e local prazeroso. Um belo dia, após muitas mudanças, desejamos retornar àquele lugar onde “éramos felizes e nem sabíamos”, na verdade, também não existe garantia de que “éramos felizes”, talvez a construção atual de que no passado existisse a felicidade, então, quando chegamos nesse local tão familiar e cheio de significados, ficamos assustados, pois ele já não existe mais. A casa mudou, as pessoas mudaram, o local cresceu ou diminuiu, nós já não somos as mesmas pessoas que acreditávamos que éramos. Com isso, a decepção e a tristeza, muitas vezes, que é traduzida em discursos intermináveis de “no meu tempo era melhor”, “aqui era assim…”, “ali existia um lugarzinho onde passei um tempo…”. Discursos intermináveis e que ajudam a traduzir nossa decepção.

Outro exemplo importante é, no caso de um relacionamento, depois do afastamento de uma pessoa que convivemos por um tempo e a reencontramos, a surpresa toma conta de tudo: “você mudou”, “ficou mais bonito”, “envelheceu um pouco”, “hoje você está bem melhor”, enfim, nossa mente trabalhando rápido para tentar justificar, numa tentativa de encontrar o que existia só na lembrança.

O lugar em que nós habitávamos quando criança, não existe mais, a pessoa que eu me relacionei já não existe mais, a pessoa que eu fui, já não existe mais, mas a danada da mente precisa de tempo para entender isso e nem sempre consegue.

As pessoas que gostaram da novela na década de oitenta do século passado, assim como eu, não encontrarão mais a ressonância que tiveram na época, mesmo revendo a produção na íntegra, pois nesses casos é possível, diferente das nossas lembranças que quase sempre são fragmentadas, nós já somos diferentes.

“A atriz escalada para tal papel não vai conseguir fazer como a ‘original’!” Claro que não, isso é fato, nem a mesma atriz,  se fosse interpretar novamente o papel, faria igual.  “Aquela cena, na versão original, era mais interessante!” Claro que não. Na versão original atendia a uma ideia e circunstância daquele momento. Parece que esquecemos a velha e boa história das aulas de filosofia quando elucubrávamos sobre as águas que não passam duas vezes pelo mesmo rio e esquecemos que o mundo gira e não para “para” e “por nada”.

A belíssima canção “A lista” de Oswaldo Montenegro explica o que estou tentando dizer. O tempo passa, como sugere a letra e o que mudamos nesse período “Quantos segredos que você guardava – Hoje são bobos ninguém quer saber?” ou ainda “Quantas mentiras você condenava? Quantas você teve que cometer?”, estaria a mente querendo continuar guardando esses segredos? Condenando as mentiras? Provavelmente sim, mas mudamos.

Uma nova versão de um filme, de um livro, novela, música… nunca atenderá as expectativas de todas as pessoas, assim como, causa um certo estranhamento, nem nós mesmos atendemos sempre nossas próprias expectativas. Talvez se entendêssemos que nessas situações temos a possibilidade de passar a limpo ou ver com outros olhos aquilo que já foi vivido ou visto, diminuísse o sofrimento.

Sou Mário José Santana Vieira

Pedagogo – Psicólogo: CRP03/18273 – Escritor – Colecionador

“Ajudo você a lidar com seu sofrimento psicológico”