Nostalgia – talvez um carinho ou um sentimento de saudade de alguma coisa ou época que aconteceu no passado. Bem, talvez essa seja uma definição simplória da palavra, mas é um bom motivo ou explicação para o desenrolar do texto a seguir:
Eu sou um colecionador amador de carrinhos e bonecos e estou sempre atento aos lançamentos desses valiosos objetos, um valor sentimental. Nos últimos dias, a notícia de que algumas figuras de heróis lançados nos anos oitenta seriam relançados, foi o suficiente para uma grande agitação nos grupos de colecionadores. Homens, nesse grupo não tem mulheres, ficaram alvoraçados com a notícia. No início, alguns falavam que era uma “fake News”; outros, que não passava de uma “brincadeira” e tantos outros comentários. Aos poucos, foram surgindo comprovações que realmente “os bons tempos estavam de volta.” A maior expectativa e “ansiedade” explicitada pelos membros desse grupo era demonstrada através de questionamentos, se a famosa empresa distribuiria esse tesouro em todas as suas lojas.
Desespero, curiosidade, dúvidas para os menos crédulos, raiva e inveja das pessoas que conseguiram comprar, tudo com bom humor. Também alertas para que alguns colecionadores não caíssem no golpe dos inescrupulosos vendedores que adquiriram os produtos e começaram a revender com um aumento de mil por cento.
Pagar um valor tão alto por essas figuras, talvez até sem pensar, é uma forma de resgatar esse passado. Quanto maior o envolvimento desses objetos na infância, maior a disposição em pagar caro por esses produtos.
“Quando vai chegar na minha cidade?”, perguntava um. “Onde você comprou?” desesperava-se outro. “Alguém sabe dizer se na minha cidade vai chegar?”, especulava outro componente. “Finalmente, consegui comprar uma figura que sempre desejei e não tive oportunidade!”, comunicava alguém vitorioso. “Na época de minha infância e adolescência, eu tive um desses!”. “Ainda tenho o meu, está bem destruído, mas eu tenho”. Outros colecionadores ainda dizem que “o material” não é tão bom quanto o de antes, ou ainda, “Será que vão aproveitar para lançar outros modelos?”, são tantos comentários que daria para escrever um livro.
Mas o que será que gera tudo isso? Não sei. Posso levantar algumas possibilidades:
Uma das questões que melhor possa explicar é a nostalgia. Aquele sentimento ou saudade de outra época. Inconscientemente, pode vir o desejo de “voltar à época” em que “a gente era feliz e não sabia”. O tempo passa e não volta, é uma verdade dura. Não somos quem éramos e não seremos o que somos hoje. Mas, ao nos agarrarmos a um período da vida transformada num pequeno boneco, geramos uma sensação muito boa de resgate da nossa própria história. Da nossa própria essência. O cérebro vai buscar em seus longínquos locais as imagens e sensações, na verdade, memórias, daquele período tão importante. Aquele prazer que tivemos ao ganharmos um desses brinquedos. O compartilhar de uma brincadeira e até mesmo o sofrimento ao não saber onde guardou ou ainda descobrir que perdera o tão sonhado boneco. Apresentar para os filhos o “brinquedo” que tivera, é outro ponto importante: “na minha época brincávamos assim”. E aí inicia uma jornada de contação de histórias da “Da minha infância querida. Que os anos não trazem mais!” como diria Casimiro de Abreu. É uma jornada de cura da criança, que talvez tenha sido machucada por não ter tido o tão sonhado brinquedo ou o resgate da criança que brincara e tivera a imaginação livre para criar as mais diversas aventuras que seus heróis que apareciam nas televisões ou em revistas.
Esses colecionadores são homens, acredito, de meia idade, pelo tempo em que os “bonecos originais” surgiram, que agora têm a oportunidade de voltar no tempo, ou melhor, de alimentar sua criança interna. Quando nos damos conta da existência dessa criança interna e ainda a alimentamos, temos a oportunidade de entrar em contato com um aspecto que, culturalmente, nos foi proibido. “O homem adulto precisa trabalhar, pagar as contas e sustentar a família”, tudo que fugisse disso, seria um desaforo, um absurdo, uma incoerência, ao que se entende por homem. Nada disso, hoje, entendemos, pelo menos uma boa parte, que colecionar, trazer ou tentar emoções da época da infância e reservar uma pequena parte de seu dinheiro para tal compra é, antes de tudo, cuidar da saúde mental. Ao homem não foi dado, em nossa sociedade, a oportunidade de ser criança depois de chegar a certa idade e em alguns casos, nem na época de ser criança. Esse alvoroço em torno dessa compra é também uma forma de voltar a ser criança, antes os mais velhos compravam esses bonecos, agora “somos nós mesmos quem podemos comprar, com nosso dinheiro”, isso é libertador, é sensacional.
As empresas sabem que esses sentimentos garantem a venda de seus produtos. Ficamos felizes por elas saberem disso e nos ajuda em nossa busca da infância perdida ou vivida.
Que se danem os “racionais” que não encontram sentido em ver homens, marmanjos barbudos ou não, comprando bonecos que medem sete míseros centímetros e fazem questão de dizer: “são meus!”. “Eu comprei!”.
Sou Mário José Santana Vieira
Pedagogo – Psicólogo: CRP03/18273 – Escritor – Colecionador
“Ajudo você a lidar com seu sofrimento psicológico”